quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Rio de Janeiro: cidade sitiada

Às vezes, é extremamente difícil não ter uma percepção contínua da História.

Hoje, acordou e viveu o Rio de Janeiro num estado de pânico. Não sabemos, até agora, em que medida tal estado é justificado: tendo nós à nossa disposição a mídia que temos, é difícil não duvidarmos das informações que recebemos.

Mas os fatos que agora se desenrolam, aumentados ou não, têm um imenso vínculo com o passado, e não um passado remoto (muito pelo contrário); particularmente, eu os credito ao último processo eleitoral.

Tal vínculo se dá, ao que me parece, por conta das propagandas exageradas ao redor da UPP. Essa política pública (na minha opinião, opressiva sobre uma certa parcela da população e de eficácia bastante questionável se analisada a partir de uma perspectiva ampla), extremamente alardeada durante o período imediatamente anterior às eleições de 2010, obteve esse tratamento quando o governador Sérgio Cabral percebeu que, tendo feito um governo de avanços medíocres na educação, na saúde, etc., a única plataforma de campanha viável e de amplo apoio popular era sua "nova" política de segurança.

A propaganda, entretanto, não chega apenas à população em geral. Ela chega também aos ouvidos das organizações criminosas, que, como a maior parte dos cariocas, acreditam que a longo prazo a UPP pode realmente criar um contexto de repressão quase que absoluta da criminalidade. Tal fato, aliado ao pensamento mais marqueteiro do que estratégico de nossos administradores públicos (que fecham os olhos às regiões realmente mais afetadas pelo tráfico e pelas milícias, preferindo assegurar, primeiro, a segurança das camadas médias e altas da sociedade), cria um contexto em que pontos estratégicos da cidade continuam à mercê de traficantes, facilitando sua ação.

Em resumo, o que agora observamos é a junção de dois fatores imediatos (porque sabemos que as causas sociológicas da criminalidade são infinitamente mais profundas do que as que agora apresento): 1)um marketing exagerado sobre uma política de segurança, que causou uma reação do tráfico; e 2)uma política de segurança pública que é quase pura retórica, e que não leva em consiferação os pontos realmente estratégicos e mais violentos da cidade.

Entretanto, o que se vê é uma imprensa que consulta certos cientistas sociais cuja reflexão é fantasticamente superficial (os profetas do óbvio), e só vem confirmar aquilo que se alinha com os interesses do governo do Rio. Percebemos um incrível malabarismo, absurdo a meu ver, para afirmar que a atual situação de "caos" é fruto do trabalho intensivo e competente das autoridades estaduais.

O que se dá é fruto de um erro estratégico, isso não pode ser negado; entretanto, devemos compreender a real abrangência de políticas de segurança que contam apenas com a repressão policial à criminalidade. Porque a polícia, ao contrário do que disse Weslyan Roriz, não pode estar em todos os recantos da cidade; a partir disso, o necessário é criar uma situação de combate ao crime (esse tipo de crime, filho da pobreza e da precariedade) que ataque as bases desse. Tal seria um processo verdadeiramente a longo prazo, que deveria ser aguardado pacientemente até que, enfim, chegásemos a uma situação próxima do ideal. Entretanto, políticas públicas não-imediatistas e com amplo e real poder de modificar a sociedade não servem para angariar votos e para perpetuar no poder grupos que vivem da corrupção, da miséria alheia, da real "ausência do Estado"...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Querem matar o futebol

O futebol é um esporte eminentemente brasileiro. Digo isso não apenas pelo fato de os melhores jogadores do mundo em toda a história serem de nosso país; nem tampouco pelos revolucionários malabarismos táticos propostos pelos europeus, muitos dos quais nascidos da aparente invencibilidade de certas equipes que outrora vestiram a camisa amarela.

Não, o futebol não é nosso apenas porque nós somos os melhores nesse esporte, porque obrigamos os outros a darem um jeito de lidar com nossa insolúvel superioridade; o futebol é nosso porque nós o amamos mais do que qualquer um, e no meu mundo as coisas pertencem a quem é mais dedicado a elas.

Em outras freguesias, é verdade, magnatas e empreendedores dão ao nosso esporte roupas e jóias brilhantes, adornando com as modas mais modernas o jogo da bola nos pés. Em estádios do exterior, o que se vê são os “artistas da bola” pisarem em verdes tapetes, ao som dos insosos “uhs” e “ahs” emitidos pela platéia cada vez mais passiva, elitizada e civilizada.

Mas, aqui, o futebol não é negócio não. É coisa sentida. Ai de quem me chamar de consumidor no Maracanã! Lá eu sou sei-lá-o-quê, criatura de nome indefinido; não sou ninguém e sou todos. Grito junto sem precisar de aviso ou sinal, canto em uníssono com pessoas que nunca vi... sou o reflexo do que vejo no campo, e creio fielmente que posso intervir em algo que, segundo alguns imbecis da objetividade, foge ao meu controle.

Eis, entretanto, que o futebol brasileiro entra num processo de virar outra coisa. De repente, torcedores são obrigados a enfiar a bunda em cadeiras de plástico frio, engolindo cachorros-quentes de ouro, num silêncio cada vez mais aterrador. A integração com a coisa vista, a consciência inconsciente do torcedor de que ele é parte integrante do todo do espetáculo, está indo por água abaixo.

O que se vê é um processo de destruição de uma coisa que é de todos nós, e que só existe por isso. No local em que, outrora, a língua oficial era o palavrão, demagogos estúpidos proclamam a lei da boca limpa; junto deles, um certo segmento da sociedade, dono de todos os preceitos morais da boa cristandade, se vale de um discurso preconceituoso e moralista para defender pontos de vista que não fazem sentido algum.

Porque dizer que a suposta moralidade distorcida da população brasileira se reflete na maneira como encaramos o futebol é algo extremamente esdrúxulo. Futebol não é pra ser correto, justo, nem nada disso. O esporte tem regras, isso é claro; entretanto, burlá-las não é crime. Isso porque, como diz o filósofo, o esporte brasileiro é “a mais importante das coisas menos importantes”; ele não é nem um reflexo de nossa sociedade, e muito menos um mero esporte; é, com o perdão do clichê, a mais generalizada das paixões.

Dentro disso, aliás, cabe ressaltar que a paixão pelo futebol não nos dá o direito de sairmos no braço com ninguém pelo simples fato de esse alguém vestir a camisa de um clube que não o nosso; os que fazem isso são antes imbecis que nada têm a ver com clubes e com paixões, homens sem objetivos e sem preocupações que lhes façam, pelo menos, zelar pela própria sobrevivência. Quem gosta de futebol, essa arte esportiva, xinga e odeia o clube dos outros na medida em que vê nesse clube a possibilidade de ser melhor do que o seu. O ódio que descrevo, nesse sentido, nunca é contra o torcedor: é contra sua bandeira.

Retomando o argumento: a quebra das regras, no futebol, pode inclusive ser heróica. Que o diga Maradona, o homem que vingou seu país de uma estrondosa derrota bélica com um gol de mão. Se fosse com o pé, a vitória seria menos vitoriosa; quiçá, vergonhosa. Na Argentina pós-86, crianças não passaram a roubar na rua e nem o número de sonegadores aumentou; a vitória argentina sobre os ingleses foi apenas uma vitória, enfiada na guela dos bretões com requintes de crueldade. E, aqui pelo Brasil mesmo, duvido que qualquer um não se regozije ao ver a formidável e histórica cotovelada que o Pelé deu nas fuças de um João uruguaio, fazendo com que esse, além de apanhar, tomasse um cartão amarelo.

Sei que o que eu digo não quer dizer nada a ninguém. Mas eu digo mesmo assim. Ninguém vai ler isso aqui, e dentro de alguns anos o ingresso para ver jogo em estádio será inacessível para grande parte da população. De qualquer forma, tenho raiva: raiva porque completos imbecis pretendem destruir um esporte que só existe por conta das massas; raiva porque, daqui a pouco, xingar palavrão em estádio será coisa de tomar processo. Termino, pois, dedicando um inigualável aforismo de Nietzsche aos professores da “ética no esporte”:

“Ética é o meu ovo esquerdo.”

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Doutor Jivago

Há poucos dias, andei revendo o clássico Doutor Jivago, dirigido pelo consagrado David Lean (que também é diretor dos fantásticos A ponte do rio Kwai e Lawrence da Arábia). O longa, ganhador de cinco prêmios da Academia, é um épico reconhecido por quase todos os apaixonados pela sétima arte como um dos melhores filmes da história do cinema.

Muito embora eu tenha minhas opiniões de cunho estético sobre o mérito cinematográfico de Doutor Jivago, não é a tais opiniões que pretendo me referir aqui. Gostaria, apenas, de falar sobre alguns dos aspectos do discurso que esse filme parece, na minha opinião, transmitir.

Em primeiro lugar, para quem não viu o filme (corre pra ver, meu filho!), vou contar rápida e superficialmente sua premissa: o desenrolar da narrativa inicia-se no contexto das agitações imediatemante anteriores à Revolução Russa. Conta a história de um jovem médico que, em meio à revolução, tenta reconstruir sua vida, ao mesmo tempo em que lida com uma paixão paralela a seu casamento.

Retirando de nosso foco a bela trama amorosa apresentada em Doutor Jivago, vejo nesse longa algo que, para mim, é por demais interessante: ele demonstra a sincera perplexidade dos indivíduos criados no ambiente cultural anglo-saxão diante das possibilidades criadas pelo socialismo. No filme citado, isso fica tão claro que chega ser engraçado.

Sendo assim,Doutor Jivago, como eu já disse, tranborda de juízos (quase todo eles negativos) em relação àquilo que a Revolução Russa conseguiu instalar na Rússia. Não quero, aqui, ser um daqueles teóricos da conspiração que dizem que a indústria cinematográfica das suprproduções seve para instalar na cabeça das pessoas do mundo todo o ideário da dominação imperialista anglo-saxã; minha pretensão é, apenas, mostrar o quanto americanos e britânicos normalmente não conseguem conceber determinadas coisas buscadas pelo socialismo.

A princípio, o filme dirigido David Lean parece se colocar contra as óbvias injustiças cometidas pelas elites russas contra o povo. Isso fica claro, por exemplo, na cena em que a cavalaria do exército russo massacra cruelmente uma pacífica manifestação de trabalhadores, que protestavam pela melhoria de suas condições de vida. Mas, apesar dessa tendência anti-opressora, o longa parece condenar algumas das modificações impostas pela Revolução.

Isso fica claro, por exemplo, na cena em que um dos personagens do filme volta à sua mansão. Essa, ocupada por representantes da Revolução, tornara-se moradia coletiva, dividida entre pessoas colocadas, ali, em situação de igualdade. Podemos perceber, ali, o quão estranha é, na ótica de um americano ou de um inglês, a ideia de que a propriedade privada talvez mais valorizada, o "lar", possa ser compartilhado com a "coletividade".

Digo que esse estranhamento está mais no ponto de vista do diretor e da produção do longa do que, necessariamente, no ponto de vista dos personagens, porque o questionamento da realidade imposta pelo Comunismo não está, que eu me lembre, nas palavras de Jivago ou de qualquer um dos protagonistas; o estranhamento está, na verdade, na personagem claramente caricata da agente da Revolução, que impede que o antigo dono da casa tome posse de seus "bens". Também está (de maneira mais contundente, a meu ver), por exemplo, no tratamento igulmente caricato que é dado ao revolucionário Pasha, um exemplo quase que ideal-típico de racionalidade maquiavélica e de burocrata.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Beethoven e eu

Tem gente que considera a nona sinfonia de Beethoven a melhor coisa que o ser humano, enquanto espécie, conseguiu realizar.

Não que minha opinião conte de alguma coisa, mas eu discordo. Apesar de desconhecer qualquer coisa relativa a harmonia, arranjo, orquestração, em suma, a qualquer tipo de aspecto técnico da música, minha experiência de apreciador da arte me faz querer simplesmente dizer o que eu penso sobre a obra do grande gênio alemão.
A meu ver, o que há de mais belo na obra de Beethoven são dois de seus quartetos de cordas: os de número 14 e 15. Essas, sim, são obras para serem colocadas ao lado da roda, do futebol e da internet como duas das mais fantásticas coisas que a humanidade produziu. Escutar tais composições me faz pensar que, apesar dos pesares, nossa passagem pelo mundo não está sendo de todo ruim.

Esses quartetos de que falo não são grandiosos como a Nona (aliás, o formato de quarteto de cordas sequer permite esse tipo de grandiosidade), nem têm aquela admiração suave e sincera pela natureza da Pastoral; tampouco transbordam aquela emoção rasgada do concerto para violino em Ré Maior. São obras simples, contidas, e que, ao mesmo tempo, chegam muito perto de transmitir com exatidão a complexidade da alma humana.

Tal fato acontece porque Beethoven percebeu que nós, animais culturais, não vivemos pelas grandes causas. Muito embora acreditemos, por vezes, que dedicamos nossa vida ao mundo, somos, ao fim e ao cabo, um composto de emoções que se chocam, que se sobrepõem, que se substituem, que coexistem. Nossa maior luta é interna, posto que dentro de nós inúmeras vozes falam e calam, sobem e descem, aparecem e desaparecem, e é nisso que estamos verdadeiramente concentrados. O resto, a manifestação externa do resultado dessas lutas, é de fato o que há de menos importante.

Enquanto mostramos ao mundo a nossa constância, a nossa coerência, vivemos atormentados por nós mesmos. Queremos mudar, mas acreditamos que devemos às pessoas a manutenção de nossas posições. Baseamo-nos em indivíduos imutáveis, e acreditamos em sua vontade férrea; entretanto, ao escutar os quartetos de Beethoven, descobrimos que outras pessoas perceberam aquilo que é universal no homem: sua inconstância. E é esta a constatação que me mantém vivo: saber que eu não sou único, e que todos sentem o mesmo que eu.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sobre Tropa de Elite 2

Quem quer que me conheça pelo menos um pouquinho, sabe que eu sou uma pessoa que adora falar de assuntos polêmicos. Sendo assim, após assistir a uma película tão polêmica quanto Tropa de Elite 2, não poderia me furtar o direito de fazer alguns cometários quanto a ela.

Antes, porém, desses comentários, gostaria de dizer que, apear das ressalvas que apresentarei a seguir, eu gostei do filme. Afora a forçada união de Fraga com a ex-mulher do cap. Nascimento, achei o roteiro do filme muito bem amarrado, com todos os personagens sendo bem explorados em todas as suas dimensões e, principalmente, bem representados pelos atores que participam do longa.

Mas, apesar dessas qualidades, Tropa de Elite 2 é um longa comum em termos cinematográficos, não sendo nenhuma obra de arte. O que há de mais interessante, de mais rico nesse filme, é o quadro político-social que ele nos apresenta, bem como suas críticas e suas denúncias. Sendo assim, é precisamente sobre tais pontos que eu concentrarei minhas atenções.

Em primeiro lugar, Padilha e sua trupe sabem que o espectador de seu filme não é idiota. Assim sendo, ele sabia que todos enxergariam, em Tropa de Elite 2, determinados personagens da cena política e do cotidiano do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, os fatos ocorridos ao longo da narrativa possuem uma imensa semelhança com a realidade: a invasão ao presídio, a milícia tomando a Zona Oeste... tudo isso é coisa que qualquer bom carioca sabe que é verdade. Portanto, o longa tem, sim, um tom de denúncia dirigida à realidade de nossa cidade. Ele não é uma alegoria política como, por exemplo, O cavaleiro das trevas de Chris Nolan.

Nesse sentido, enquanto documento etnográfico, Tropa de Elite 2 é irrepreensível. Demonstra um imenso conhecimento histórico, bem como uma percepção aguçadíssima de como verdadeiramente são as entranhas da polícia, da criminalidade e das instituições políticas do Rio de Janeiro (a consultoria de ex-policiais, políticos e sociólogis tem um grande papel nisso). Com isso, os espectadores certamente saíram do cinema conhecendo melhor o tal do "sistema" de que tanto fala o cap. Nascimento.

Entretanto, a meu ver, as novidades trazidas pelo filme não vão muito além disso.Como acontece em seu antecessor, Tropa de Elite 2 falha não por ser maniqueísta, como muitos disseram (ao contrário de muita gente, eu não acho que o cap. Nascimento tenha sido colocado como um herói matador de bandidos). Sua principal falha foi, em minha opinião, sua covardia na hora apontar o dedo na cara dos verdadeiros culpados pela triste situação de nossa cidade e de nosso estado.

Acontece que é muito simples, como fazem Tropa de Elite e Tropa de Elite 2, escolher um segmento de nossa sociedade e culpá-lo por todos os problemas: naquele, a culpa era do maconheiro; nesse, a culpa é dos políticos (em uma das últimas cenas, Nascimento sugere que a culpa do terrível panorama apresentado é culpa do presidente). Isso é o mais rasteiro senso comum, que habita nosso dia-a-dia no discurso "cansado de ver tanta podridão" de nossa classe média. Isso se reflete, por exemplo, no fato de o cinema ter aplaudido a cena em que o secretário de segurança pública do Rio é esmurrado por Nascimento. Tudo fica, portanto, muito simples: é só esmurrar e botar na cadeia o filho da puta do deputado, do vereador, do governador, do secretário, em suma, quem quer que seja o pária da vez, que as coisas se resolvem.

Mas o nosso mundo não é assim.

O "sistema", como o próprio filme sinaliza, se (re)produz apesar de seus membros morrerem, serem presos, whatever. Isso não se dá porque "cada um quer adiantar o seu lado", como diz Nascimento em uma determinada cena. O sistema se (re)produz porque ele é parte intrínseca de nossa própria sociedade, desempenhando, inclusive, um importante papel em seu funcionamento. Em suma, o próprio poder em nossa cidade (e, talvez, em nosso país) foi constituído de maneira a dar brechas para que aquele panorama apresentado no filme fosse construído, sendo um de seus órgãos.

Não há, nesse sentido, ninguém livre de culpa, e Padilha não teve coragem de dizer isso. Ao falar, por exemplo, do papel da imprensa no "sistema", Tropa de Elite 2 apenas resvalou no assunto. Será que isso tem a ver com o fato de o filme ser produzido pela Globofilmes? Talvez. Mas fato é que a narativa seria muito mais interessante se Nascimento virasse o dedo pro lado de fora da tela, causando o profundo desconforto que o espectador certamente merece, dizendo:

-Sabe de quem é a culpa dessa merda toda? A culpa é sua, meu caro. É você que acha que faz o suficiente, que "faz a sua parte" pagando religiosamente seus impostos, cumprindo todas as suas obrigações, quem dá sustentação ao sistema. O que você não percebe é que o "sistema" que você tanto critica é sustentado por você, ele se alimenta da legitimidade que você a ele concede, de sua muda obediência. o que você não percebe é que, provavelmente, você votou no corno que eu espanquei agora, e que, portanto, você é tão responsável por isso quanto ele.

Mas, ao invés disso, cap. Nascimento fornece a quem o assiste um momento de maravilhosa redenção, executando os socos que cada um acha que merece dar na cara do "político que não presta". Com isso, mais uma vez, o discurso político de nossos artistas não faz mais do que meramente reproduzir um tolo senso comum, concedendo principalmente à classe média carioca o deleite de ver reproduzido aquilo que ela está cansada de saber.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Sexismo, um eterno inimigo.

Há apenas alguns minutos, esse texto de Marjorie Rodrigues foi postado no blog "O Biscoito Fino e a Massa", de Idelber Avelar.

(Antes de acompanharem minha argumentação, por favor, leiam o texto acima linkado.)

Concordo com muitas coisas ditas ali. Entretanto, creio que a vitória de Dilma diz muito menos à diminuição da violência discriminatória e machista diariamente praticada contra a mulher do que, por exemplo, ao "começo do fim" das oligarquias midiáticas brasileiras. Este último acontecimento, sim, está claramente em curso.

Já o machismo, infelizmente, não será derrubado no Brasil apenas com a provável eleição de Dilma (como diz, aliás, o texto citado). Apesar de isso poder engendrar uma maior participação da mulher na política nacional, fato é que, em nossas práticas cotidianas, as mulheres continuam sendo um grupo extremamente ridicularizado em diversas atividades.

Sendo assim, para que esse quadro mude, devemos utilizar o fator Dilma como uma propulsão para essa luta contra o sexismo. Uma "simples" vitória da mulher em um contexto macro não vai, por si só, causar uma mudança na estrutura de nossa sociedade; o que deve ser buscado, no dia-a-dia, são as pequenas vitórias sobre o machismo. Nada disso, porém, deve ser realizado de maneira isolada: juntamente às pequenas atitudes, as mulheres (e também os homens) conscientes devem espalhar tal consciência para o máximo de pessoas, agindo politicamente.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Eleições 2010

Fato é que Dilma vai ganhar as eleições desse ano. Talvez, a vitória venha ainda no 1º turno.

À mídia manipuladora e elitista e às elites tacanhas que ainda ouvem o que a Veja e a Globo dizem, restará bradar que o povo brasileiro "não sabe votar". Esse pessoal, apoiado no discurso preconceituoso e tendencioso de alguns acadêmicos e formadores de opinião pouco competentes, acha que o povo brasileiro votará em Dilma porque é burro, por conta de um simples apreço pela figura do presidente Lula e por conta dos programas supostamente assistencialistas do governo petista.

Entretanto, o que os analistas políticos comprados que aparecem no Globonews não percebem é que o povo brasileiro tem, sim, uma forte consciência política, que o torna capaz de perceber que Dilma é a promessa da continuação de um projeto político competente que está dando certo demais. Suas pretensas análises ainda estão centradas em pensar o jogo político como uma mera manipulação de imagens, a fim de manipular, também, o voto.

A sorte é que esse tipo de fala não tem mais alcance. Ninguém mais acredita nas mentiras contadas pelas oligarquias que dominam as concessões de Tv e rádio.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Os inúteis rituais da democracia

Tenho acompanhado essas entrevistas realizadas pelo Jornal Nacional com os candidatos à presidência da República em 2010.

Depois de realizadas essas entrevistas, palpiteiros de todas as origens possíveis vão às redes sociais falar que esse candidato foi favorecido, enquanto outro foi achincalhado. Ao mesmo tempo, outros tantos sábios analisam o discurso, a forma da retórica e as "propostas" dos candidatos.

Eu, também um palpiteiro, vi que, apesar de um certo candidato ter sido claramente favorecido por uma estranha benevolência do casal Bonner, nenhum discurso prestou de verdade. Percebi, na verdade, um imenso desfile de demagogias, trocas de acusações e tentativas de consolidação e venda de imagens.

A partir disso, acho que a única forma de decidir o voto é a partir de uma análise da proposta dos partidos aos quais pertencem os candidatos.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

A little bit of football.

O Brasil é um país engraçado. Aqui por essas nossas belísimas bandas, um treinador que resolve honrar um contrato que havia assinado e, mais do que isso, opta por respeitar um clube e uma torcida que nele tinham depositado imensa confiança, é criticado.

Se bem que, verdade seja dita, quem saiu mais manchado da história foi o Fluminense. Faltou sensibilidade à diretoria, que não deu a Muricy a chance de desempenhar a função mais fácil do mundo? Talvez. Mas essa falta de sensibilidade pode ser explicada e suavizada por dois fatores: 1) Muricy realmente faria uma falta muito grande ao clube, já que não há nenhum grande treinador à disposição; e 2) se faltou sensibilidade ao tricolor, faltou mais ainda ao Ricardo Teixeira, que deveria ter chamado para a conversa com Muricy representantes do Flu.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Eu não faço a minha parte.

Irrita-me esse discurso de que “cada um tem que fazer sua parte”, para o bom funcionamento da sociedade: tá na hora de alguém desconstruir isso. Como a ideia me incomoda, eu atribuo a mim mesmo a tarefa.

Fazer a sua parte é não ter vontade de potência, essa coisa tão esquecida atualmente na prática política e social. Quando um indivíduo se restringe ao conforto (quase sempre nem um pouco confortável) de sua própria posição na configuração de uma sociedade, ele se abstém da ação.

Entretanto, tal abstenção é simultaneamente uma ação, a partir do momento em que perpetua a ordem vigente e permite que outros detenham o poder; e esses “outros”, não sejamos inocentes de pensar o contrário, não fazem cerimônia alguma de se utilizarem de seja qual for o instrumento (que geralmente é legitimado pela coletividade, sem que ela ao menos saiba disso) para realizarem seus vis interesses.

A mudança não pode, portanto, surgir em um contexto em que todos agem dentro do que é pré-estabelecido: tal é uma lógica totalmente ilógica. Alguém que não tenta extrapolar seus limites não deixa de fazer parte de um rebanho (ui! um clichê), não provoca nada de novo. São aqueles que, mesmo que cientes do limite do alcance de suas ações, vão atrás daquilo que acreditam, que provocam a alteração dos padrões existentes.

Eis aí o nosso problema atual, meus caros: hoje, vejo alguns jovens que pensam que o mundo tal como ele é é insustentável; entretanto eles não enxergam através da ideologia dominante, que quer que tudo seja sustentável de maneira a não abalar, em aspecto algum, o sistema social e de produção atual, o do capitalismo. É precisamente por compartilhar dessa mentalidade que comete-se um erro mortal, por conta do qual quase não há mais revolucionários.

Portanto, em minha opinião, a parcela de ação facilmente realizável não conta de nada, é apenas determinada pelos “donos do poder”, e nos é informada direta ou indiretamente: seja pela mídia ditatorial, seja por essa hedionda oligarquia pós-moderna camuflada sob fofos ideais democráticos.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Carnaval segundo um chato

Vai-se o Carnaval, e em seu rastro ficam inúmeros comentários possíveis; eu farei alguns deles.

Por exemplo: finalmente, fez-se justiça ao Paulo Barros, que nesse recente processo de descarnavalização do Carnaval das escolas de samba do Rio encontrou a oportunidade para manifestar sua capacidade criativa inegável. Se os seus desfiles tem ou não a ver com a festa da qual fazem parte, isso é uma questão mais ideológica (com todas as ressalvas possíveis ao mau uso que acabo de fazer dessa palavra).

Tomando partido na peleja, tal vitória é, para mim, a clara demonstração de uma triste derrota: a do pessoal que milita pela valorização dos desfiles “à moda antiga”, aqueles com grandes sambas de enredo (caso do samba da Vila e da Imperatriz de 2010, ambos já com lugar na história dos grandes sambas) e com o povo das comunidades representando suas escolas com o “puro e simples” samba no pé. Carnaval carioca, ou pelo menos o da Sapucaí, virou coisa pra inglês (e burguês) ver. Um sintoma desse conflito, que (juro!) não é coisa só da minha cabeça, foi o fato de o Chico Pinheiro ter, durante a transmissão do desfile carioca, dado um jeito de abafar o discurso de um membro da velha-guarda portelense (ah, a grande Portela...), cujas colocações alinhavam-se com as opiniões mais conservadoras sobre o Carnaval carioca.

Outro ponto que eu posso destacar é a horripilância do desfile das Escolas de Samba paulistanas. É coisa de doer: os sambas de enredo são esquisitos e feios; basta comparar com os do Rio (que, seja feita a justiça, há muito tempo não via tão belas músicas desfilando no mesmo ano) para notar a clara discrepância. Mais uma coisa horrorosa: as baterias das agremiações de São Paulo, que parecem trens. A coisa não tem cadência nenhuma... enfim, mais uma vez, peço ao leitor que realize o teste comparativo entre Rio e São Paulo nesse aspecto. Haja ufanismo por parte dos marginais do Tietê para achar que o desfile deles é comparável ao carioca...

Mas o que mais me chamou a atenção, sem dúvida, foi o caos gerado pela massiva participação popular nos blocos de rua.

Minha opinião primeira, fruto de uma observação empírica superficial, caseira e sem pretensão alguma de se tornar qualquer tipo de pesquisa séria, é que as pessoas que costumam fugir do Rio de Janeiro no Carnaval simplesmente não o fizeram em 2010. O porquê disso eu não sei; talvez todo mundo tenha percebido que não faz sentido sair de um lugar que é provavelmente o maior pólo de atração turística nessa época do ano.

O fato é que a organização da maior festa popular carioca não se mostrou nem um pouco preparada para atender às demandas dos milhões de foliões que aproveitaram os blocos de rua cariocas. Não havia um número de banheiros públicos que fosse sequer próximo da necessidade da população e, o que é pior, os “mijões” ainda foram, em alguns casos, detidos pela polícia. Além disso, a onipotente Metrô Rio, com suas integrações mirabolantes e sua quase nula responsabilidade para com seus clientes, conseguiu deixar o fim do Domingo de Carnaval em Ipanema uma absoluta desordem: fechou a estação da Praça General Osório no fim da noite, na justa hora em que as pessoas voltavam para casa. Muitos ficaram nervosos, sob a ameaça de não voltarem para casa; outros deram algum jeito de fugir da situação. A alegação da empresa concessionária das linhas de transporte metroviário carioca foi que tinha gente demais pra entrar e os carros não dariam vazão; já eu, alego que a empresa agiu com uma inacreditável calhordice, posto que há muito tempo vem veiculando propagandas para que as pessoas, em eventos de apelo popular, usem o transporte público, sobretudo o metrô. Coisa de amador mesmo a administração desta empreseca, que, ao que parece, tenta fazer promessa sem ter merda no cu pra cagar.

Mais um destaque negativo para o Carnaval do Rio foi a absurda quantidade de pessoas furtadas nos blocos de rua, principalmente no Bola Preta. Quase todos que saíram para os blocos cariocas foram ou conhecem muitas pessoas que passaram por tal situação.