segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Evangélicos e preconceitos

Hoje tratarei de um assunto que eu acho bastante polêmico. Esse meu achar, certamente, tem motivos subjetivos: pretendo falar de um preconceito para o qual eu próprio, por descuido ou por pura falta de tato mesmo, costumo escorregar.

Afirmemos logo de início o assunto do texto: tratarei aqui do preconceito de que, muitas vezes, são alvo as pessoas que fazem parte das chamadas religiões evangélicas – sobretudo as neopentecostais.

Antes de entrarmos na argumentação à qual pretendo conduzir, devo ser sincero para com meu leitor e explicar de onde digo o que digo: sou um ateu convicto, desde o momento em que comecei a refletir sobre mim mesmo e sobre o mundo que me cerca. Fui, porém, educado em meio a uma família mais ou menos católica – já que alguns elementos muito próximos são fervorosos praticantes dessa religião, enquanto outros tantos não dão muita bola pros assuntos de Deus. Além disso, diria que hoje sou uma pessoa avessa – tão avessa quanto me é possível ser - a qualquer doutrina dogmática e a qualquer tentativa de arrebanhamento do humano (li com muita atenção o Nietzsche, então não tinha como ser de outra forma).

Feito esse não tão breve preâmbulo, começo a falar o que quero falar.

Essa semana - mais precisamente hoje - tive acesso à seguinte informação: em termos religiosos, uns sessenta e tantos por cento da população brasileira se diz católica, uns vinte e tantos por cento se diz evangélica e os outros porcentos sobram para os ateus e praticantes de outras fés.

Obviamente, esses dados são crus pra cacete. Dizer apenas quem acredita em que – e de uma maneira tão genérica, que, por exemplo, não discrimina entre as inúmeras manifestações do protestantismo que têm lugar no Brasil – não dá, de forma alguma, uma visão clara das religiosidades praticadas em nosso país. Entretanto, mesmo tendo isso em vista, permiti a mim mesmo tirar algumas conclusões.

Primeiramente, gostaria de articular o percentual que (esdruxulamente, eu sei, mas to com preguiça de procurar os dados) apresentei com algumas, digamos, “tendências discursivas” que se colocam ao fazerem menção ao fenômeno neopentecostal. Por um lado, é notório o avanço do neopentecostalismo no Brasil. E, por outro lado, é igualmente evidente que a esmagadora maioria da população brasileira ainda é de fé católica.

Não entraremos, aqui, em questões teológicas, e nem tampouco faremos um esboço de sociologia da religião. O que eu quero chamar à atenção é um fato meio óbvio até: muito embora, como já disse, a maior parte da população ainda seja católica, quase todo o conservadorismo, ou se preferirem o “atraso” vem sendo, no discurso do senso comum, posto na conta dos evangélicos. Sendo assim, o próprio avanço do “fenômeno evangélico” é visto por muitos como um problema a ser combatido, como um monstro que vai crescendo e se estruturando para fundar um Brasil crente, obscurantista, conservador e ignorante – e que, no curto prazo, tende a entravar o desenvolvimento brasileiro por misturar política e religião.

Esse tipo de ponto de vista – o leitor deve concordar comigo – é comum. Piadas que atacam a “ignorância” dos evangélicos, que ridicularizam sua fé, que os tratam como títeres à mercê de vis manipuladores da fé alheia, são cada vez mais difundidas; por vezes, algumas pessoas identificam que a odienta Globo seria um mal menor, perto da Record do – também odiento – Bispo Macedo; e alguns intelectuais que se dizem não-conservadores também tendem a dizer que os evangélicos – e apenas eles – seriam responsáveis pelo entrave que se coloca diante da conquista de alguns direitos civis básicos (como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o aborto e a legalização das drogas).

Ora, é certo que há algum grau de verdade nisso tudo. Basta assistir na televisão os programas de alguns – não todos, deve-se frisar - segmentos das religiões evangélicas brasileiras para notar que grande parte delas veicula um discurso verdadeiramente obscurantista, desrespeitoso para com os adeptos de outra fé e/ou modo de vida, e que confundem o lugar da pregação religiosa. Entretanto, simultaneamente, eu penso: ainda há um grande contingente da população que pertence ao catolicismo; e, sendo assim, se “ser evangélico” é a variável que explica o conservadorismo brasileiro, como se explica o fato de a maior parte da população ser católica estar articulado a uma nação, a meu ver, crescentemente conservadora?

No meu modo ateu – e, portanto, nada imparcial - de entender as coisas, não há, em termos de tendência a “permitir” ou “aceitar” medidas mais “liberais”, muita diferença entre os evangélicos em geral e os católicos em geral – se fosse assim, não haveria tanta resistência por parte da sociedade em reconhecer alguns daqueles direitos civis básicos. Ao que parece, há na verdade um crescente e irrefletido preconceito (perdoem a tautologia) que se coloca entre as pessoas e uma leitura menos estigmatizante das religiões evangélicas.

Nesse sentido, percebo que, principalmente no Rio de Janeiro (estado onde as neopentecostais avançam a passos larguíssimos), alguns setores conservadores de classe média e alta relacionam os evangélicos aos pobres – ou, dizendo de outro modo, a representação que tais segmentos de classe têm dos evangélicos afirma que esses últimos são recrutados entre a população mais pobre; o que os torna, portanto, alvos de todos os preconceitos que possuem em relação aos pobres em geral. E assim ficam as coisas: como se conservadorismo, mistura de religião e política, ignorância política, fossem coisas que não dizem respeito às camadas medias e altas de nossa sociedade.

Minha opinião, para resumir, é que um preconceito relativo a origem sócio-econômica vem sendo cada vez mais transfigurado em um preconceito dirigido aos praticantes de uma certa fé. Esse preconceito tem alguma sustentação na realidade? Talvez, não sei dizer ao certo. Mas o que quero dizer é o seguinte: tem muita gente por aí achando que o problema são os outros, e acaba esquecendo de olhar para seus próprios valores.