terça-feira, 12 de outubro de 2010

Sobre Tropa de Elite 2

Quem quer que me conheça pelo menos um pouquinho, sabe que eu sou uma pessoa que adora falar de assuntos polêmicos. Sendo assim, após assistir a uma película tão polêmica quanto Tropa de Elite 2, não poderia me furtar o direito de fazer alguns cometários quanto a ela.

Antes, porém, desses comentários, gostaria de dizer que, apear das ressalvas que apresentarei a seguir, eu gostei do filme. Afora a forçada união de Fraga com a ex-mulher do cap. Nascimento, achei o roteiro do filme muito bem amarrado, com todos os personagens sendo bem explorados em todas as suas dimensões e, principalmente, bem representados pelos atores que participam do longa.

Mas, apesar dessas qualidades, Tropa de Elite 2 é um longa comum em termos cinematográficos, não sendo nenhuma obra de arte. O que há de mais interessante, de mais rico nesse filme, é o quadro político-social que ele nos apresenta, bem como suas críticas e suas denúncias. Sendo assim, é precisamente sobre tais pontos que eu concentrarei minhas atenções.

Em primeiro lugar, Padilha e sua trupe sabem que o espectador de seu filme não é idiota. Assim sendo, ele sabia que todos enxergariam, em Tropa de Elite 2, determinados personagens da cena política e do cotidiano do Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo, os fatos ocorridos ao longo da narrativa possuem uma imensa semelhança com a realidade: a invasão ao presídio, a milícia tomando a Zona Oeste... tudo isso é coisa que qualquer bom carioca sabe que é verdade. Portanto, o longa tem, sim, um tom de denúncia dirigida à realidade de nossa cidade. Ele não é uma alegoria política como, por exemplo, O cavaleiro das trevas de Chris Nolan.

Nesse sentido, enquanto documento etnográfico, Tropa de Elite 2 é irrepreensível. Demonstra um imenso conhecimento histórico, bem como uma percepção aguçadíssima de como verdadeiramente são as entranhas da polícia, da criminalidade e das instituições políticas do Rio de Janeiro (a consultoria de ex-policiais, políticos e sociólogis tem um grande papel nisso). Com isso, os espectadores certamente saíram do cinema conhecendo melhor o tal do "sistema" de que tanto fala o cap. Nascimento.

Entretanto, a meu ver, as novidades trazidas pelo filme não vão muito além disso.Como acontece em seu antecessor, Tropa de Elite 2 falha não por ser maniqueísta, como muitos disseram (ao contrário de muita gente, eu não acho que o cap. Nascimento tenha sido colocado como um herói matador de bandidos). Sua principal falha foi, em minha opinião, sua covardia na hora apontar o dedo na cara dos verdadeiros culpados pela triste situação de nossa cidade e de nosso estado.

Acontece que é muito simples, como fazem Tropa de Elite e Tropa de Elite 2, escolher um segmento de nossa sociedade e culpá-lo por todos os problemas: naquele, a culpa era do maconheiro; nesse, a culpa é dos políticos (em uma das últimas cenas, Nascimento sugere que a culpa do terrível panorama apresentado é culpa do presidente). Isso é o mais rasteiro senso comum, que habita nosso dia-a-dia no discurso "cansado de ver tanta podridão" de nossa classe média. Isso se reflete, por exemplo, no fato de o cinema ter aplaudido a cena em que o secretário de segurança pública do Rio é esmurrado por Nascimento. Tudo fica, portanto, muito simples: é só esmurrar e botar na cadeia o filho da puta do deputado, do vereador, do governador, do secretário, em suma, quem quer que seja o pária da vez, que as coisas se resolvem.

Mas o nosso mundo não é assim.

O "sistema", como o próprio filme sinaliza, se (re)produz apesar de seus membros morrerem, serem presos, whatever. Isso não se dá porque "cada um quer adiantar o seu lado", como diz Nascimento em uma determinada cena. O sistema se (re)produz porque ele é parte intrínseca de nossa própria sociedade, desempenhando, inclusive, um importante papel em seu funcionamento. Em suma, o próprio poder em nossa cidade (e, talvez, em nosso país) foi constituído de maneira a dar brechas para que aquele panorama apresentado no filme fosse construído, sendo um de seus órgãos.

Não há, nesse sentido, ninguém livre de culpa, e Padilha não teve coragem de dizer isso. Ao falar, por exemplo, do papel da imprensa no "sistema", Tropa de Elite 2 apenas resvalou no assunto. Será que isso tem a ver com o fato de o filme ser produzido pela Globofilmes? Talvez. Mas fato é que a narativa seria muito mais interessante se Nascimento virasse o dedo pro lado de fora da tela, causando o profundo desconforto que o espectador certamente merece, dizendo:

-Sabe de quem é a culpa dessa merda toda? A culpa é sua, meu caro. É você que acha que faz o suficiente, que "faz a sua parte" pagando religiosamente seus impostos, cumprindo todas as suas obrigações, quem dá sustentação ao sistema. O que você não percebe é que o "sistema" que você tanto critica é sustentado por você, ele se alimenta da legitimidade que você a ele concede, de sua muda obediência. o que você não percebe é que, provavelmente, você votou no corno que eu espanquei agora, e que, portanto, você é tão responsável por isso quanto ele.

Mas, ao invés disso, cap. Nascimento fornece a quem o assiste um momento de maravilhosa redenção, executando os socos que cada um acha que merece dar na cara do "político que não presta". Com isso, mais uma vez, o discurso político de nossos artistas não faz mais do que meramente reproduzir um tolo senso comum, concedendo principalmente à classe média carioca o deleite de ver reproduzido aquilo que ela está cansada de saber.

4 comentários:

... disse...

Pedro, adorei sua crítica! ^^
Mas acho q não era necessário que o Cpitao Nascimento virasse o dedo na cara do expectador. A mensagem já estava clara! Ao mostrar que uns politicos alimentam o sistema, enquanto outros lutam contra ele, a importancia do voto consciente fica evidente. Pelo menos eu percebi assim... Eu me senti culpada pelo sistema.
Beijos, Aline.

Anônimo disse...

Pedro, concordo com a Aline.
Achei muito que a crítica feita no final do filme não sugere que a culpa do terrível panorama apresentado seja do presidente. A fotografia da cena ajuda. O foco é no Congresso Nacional; deputados e senadores mal escolhidos pelo próprio povo.
A pergunta solta no ar de "sabe quando isso vai mudar?" seguida da resposta de que "vai levar tempo" acho que dá margem exatamente para essa percepção quanto à importância do voto consciente. Algo que fica evidente ao longo de todo o filme quando mostra os churrascos oferecidos, os favores feitos em troca de votos etc. Axho que também por isso o lançamento pós-eleição e tal. Enfim, só opinião, rs. Beijos.

Anônimo disse...

acho*

Pedro Marques disse...

Gente, eu escrevi isso porque vi opiniões como essa (http://www.omelete.com.br/cinema/critica-tropa-de-elite-2/ ) e essa ( http://vidaordinaria.com/2010/10/tropa-de-elite-e-o-sistema-que-e-osso-duro-de-roer/ ). Foi algo que me incomodou.

Enfim... talvez eu e as pessoas que escreveram nos links acima tenhamos nos equivocado em nossa interpretação. Coisa que acontece =)