segunda-feira, 12 de abril de 2010

Eu não faço a minha parte.

Irrita-me esse discurso de que “cada um tem que fazer sua parte”, para o bom funcionamento da sociedade: tá na hora de alguém desconstruir isso. Como a ideia me incomoda, eu atribuo a mim mesmo a tarefa.

Fazer a sua parte é não ter vontade de potência, essa coisa tão esquecida atualmente na prática política e social. Quando um indivíduo se restringe ao conforto (quase sempre nem um pouco confortável) de sua própria posição na configuração de uma sociedade, ele se abstém da ação.

Entretanto, tal abstenção é simultaneamente uma ação, a partir do momento em que perpetua a ordem vigente e permite que outros detenham o poder; e esses “outros”, não sejamos inocentes de pensar o contrário, não fazem cerimônia alguma de se utilizarem de seja qual for o instrumento (que geralmente é legitimado pela coletividade, sem que ela ao menos saiba disso) para realizarem seus vis interesses.

A mudança não pode, portanto, surgir em um contexto em que todos agem dentro do que é pré-estabelecido: tal é uma lógica totalmente ilógica. Alguém que não tenta extrapolar seus limites não deixa de fazer parte de um rebanho (ui! um clichê), não provoca nada de novo. São aqueles que, mesmo que cientes do limite do alcance de suas ações, vão atrás daquilo que acreditam, que provocam a alteração dos padrões existentes.

Eis aí o nosso problema atual, meus caros: hoje, vejo alguns jovens que pensam que o mundo tal como ele é é insustentável; entretanto eles não enxergam através da ideologia dominante, que quer que tudo seja sustentável de maneira a não abalar, em aspecto algum, o sistema social e de produção atual, o do capitalismo. É precisamente por compartilhar dessa mentalidade que comete-se um erro mortal, por conta do qual quase não há mais revolucionários.

Portanto, em minha opinião, a parcela de ação facilmente realizável não conta de nada, é apenas determinada pelos “donos do poder”, e nos é informada direta ou indiretamente: seja pela mídia ditatorial, seja por essa hedionda oligarquia pós-moderna camuflada sob fofos ideais democráticos.

2 comentários:

Meott disse...

Rapaz... antes de mais nada te pedir desculpas pela demora na resposta do seu comentário, o acesso à internet anda escasso.
Sobre o comentário e seu texto que ilustra sua opinião acerca dele, não poderia acrescentar nenhuma linha a não ser a de que concordo com você, com um porém. Se não agir é uma ação, é retrógrada e negativa. Além disso, toda norma perde efetividade se não houver corroboração do corpo social, que em teoria a inspira, ou seja, só chegamos a essa situação porque nós deixamos.
Entretanto cabe lembrar que, pensando metaforicamente, uma casa começa a ser construída tijolo a tijolo, sendo assim, uma mudança começa a nascer individuo por individuo, tornando o discurso de que "cada um tem que fazer o seu" válido, pois por meio de gradativo apelo a diversos indivíduos formamos um corpo revolucionário (um termo pesado atualmente) relativamente 'alerta'.
Portanto, como disse, considero válido tal discurso caso comova uma simples pessoa, que poderá convencer outra, e outra, perpetuando assim essa comoção.

Parabéns pelo blog. Acompanharei a partir de hoje

Pedro Marques disse...

Meott,

minha implicância com o "cada um fazendo sua parte" diz respeito ao caráter individualista angloamericano que essa frase carrega.

É uma tautologia dizer que a sociedade é feita de indivíduos, e que apenas eles, enquanto elementos fundamentais dessa sociedade, possuem a prerrogativa de serem agentes de mudanças. Nesse sentido, portanto, concordo com você.

O que critico no dizer salientado em meu texto (extremamente recorrente nesses dias esquisitos em que vivemos) é o sentido de, digamos, uma "não vontade de potência" presente no "fazer a parte".

O que quero dizer, grosso modo, é que não adianta o agente social fazer tão somente sua parte. Para que alguma coisa mude, em qualquer contexto, temos de ser transgressores, pessoas que agem além das partes que nos cabem; tendo em vista sempre, entretanto, as limitações a que nos obriga nossa posição na figuração social e o contexto em que vivemos (Maquiavel já ensinou isso séculos atrás).

Em resumo: temos de fazer mais do que apenas a nossa parte.

No mais, obrigado pelo comentário! Gostaria que mais pessoas viessem aqui com coisas interessantes a acrescentar.

Abração!