quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Rio de Janeiro: cidade sitiada

Às vezes, é extremamente difícil não ter uma percepção contínua da História.

Hoje, acordou e viveu o Rio de Janeiro num estado de pânico. Não sabemos, até agora, em que medida tal estado é justificado: tendo nós à nossa disposição a mídia que temos, é difícil não duvidarmos das informações que recebemos.

Mas os fatos que agora se desenrolam, aumentados ou não, têm um imenso vínculo com o passado, e não um passado remoto (muito pelo contrário); particularmente, eu os credito ao último processo eleitoral.

Tal vínculo se dá, ao que me parece, por conta das propagandas exageradas ao redor da UPP. Essa política pública (na minha opinião, opressiva sobre uma certa parcela da população e de eficácia bastante questionável se analisada a partir de uma perspectiva ampla), extremamente alardeada durante o período imediatamente anterior às eleições de 2010, obteve esse tratamento quando o governador Sérgio Cabral percebeu que, tendo feito um governo de avanços medíocres na educação, na saúde, etc., a única plataforma de campanha viável e de amplo apoio popular era sua "nova" política de segurança.

A propaganda, entretanto, não chega apenas à população em geral. Ela chega também aos ouvidos das organizações criminosas, que, como a maior parte dos cariocas, acreditam que a longo prazo a UPP pode realmente criar um contexto de repressão quase que absoluta da criminalidade. Tal fato, aliado ao pensamento mais marqueteiro do que estratégico de nossos administradores públicos (que fecham os olhos às regiões realmente mais afetadas pelo tráfico e pelas milícias, preferindo assegurar, primeiro, a segurança das camadas médias e altas da sociedade), cria um contexto em que pontos estratégicos da cidade continuam à mercê de traficantes, facilitando sua ação.

Em resumo, o que agora observamos é a junção de dois fatores imediatos (porque sabemos que as causas sociológicas da criminalidade são infinitamente mais profundas do que as que agora apresento): 1)um marketing exagerado sobre uma política de segurança, que causou uma reação do tráfico; e 2)uma política de segurança pública que é quase pura retórica, e que não leva em consiferação os pontos realmente estratégicos e mais violentos da cidade.

Entretanto, o que se vê é uma imprensa que consulta certos cientistas sociais cuja reflexão é fantasticamente superficial (os profetas do óbvio), e só vem confirmar aquilo que se alinha com os interesses do governo do Rio. Percebemos um incrível malabarismo, absurdo a meu ver, para afirmar que a atual situação de "caos" é fruto do trabalho intensivo e competente das autoridades estaduais.

O que se dá é fruto de um erro estratégico, isso não pode ser negado; entretanto, devemos compreender a real abrangência de políticas de segurança que contam apenas com a repressão policial à criminalidade. Porque a polícia, ao contrário do que disse Weslyan Roriz, não pode estar em todos os recantos da cidade; a partir disso, o necessário é criar uma situação de combate ao crime (esse tipo de crime, filho da pobreza e da precariedade) que ataque as bases desse. Tal seria um processo verdadeiramente a longo prazo, que deveria ser aguardado pacientemente até que, enfim, chegásemos a uma situação próxima do ideal. Entretanto, políticas públicas não-imediatistas e com amplo e real poder de modificar a sociedade não servem para angariar votos e para perpetuar no poder grupos que vivem da corrupção, da miséria alheia, da real "ausência do Estado"...

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