Curioso é observar o quão próximas são às vezes idéias aparentemente contraditórias, como progresso e austeridade. Superficialmente, nada anuncia o parentesco de ambos os conceitos; entretanto, a verdade é que os dois representam – perdoem-me pelo lugar-comum - duas faces de uma mesma moeda.
Para desfazermos a ilusória diferença, devemos observar o contexto em que tais vocábulos são utilizados. Se progresso diz respeito, histórica e cotidianamente, a uma marcha à frente – sendo esse à frente, necessariamente, melhor do que aquilo que ficou para trás -, a outrora inocente austeridade tornou-se acompanhante recorrente da palavra "medida", formando assim a hoje mui pronunciada "medida de austeridade" - expressão que diz respeito a uma política econômica e social que (segundo dizem alguns) se faz necessária para que as nações mais fragilizadas pela atual crise do capitalismo não entrem em colapso.
Dito isso, o leitor deve estar a se perguntar: por que diabos progresso e austeridade seriam coisas semelhantes? Se o progresso – coisa boa, desejável – é a marcha à frente, a melhora, e as medidas de austeridade são as rígidas, sóbrias e racionais (porém necessárias) formas de combate à crise - coisa ruim, indesejável -, de que maneira tais coisas se aproximam?
Pois bem: é aqui que adentramos o ponto crucial da argumentação. Ao que me parece, há um princípio que atravessa tanto a exigência das medidas de austeridade quanto a marcha do progresso.
Para melhor explicar a idéia, analisemos as reais conseqüências do que é hoje entendido como progresso.
No Brasil, sempre houve – e ainda os há às pencas – aqueles que se denominam progressistas, e até governos, por aqui, se consideram e são alcunhados como tal. Mas, certamente, o progressismo brasileiro não é apenas um movimento de pessoas que andam para a frente – ou seja: não é definido pelo sentido abstrato, encontrado no dicionário, do termo progresso; ele é, antes de mais nada, um projeto político, social e econômico específico, e que tem e teve a intenção de fazer avançarem as forças produtivas, o consumo, a produção de bens de consumo industrializados, o aumento do PIB, etc.. Trocando em miúdos: o progresso, tal qual foi – e é – posto em prática em nosso país, é um progresso que se movimenta no terreno do modo de produção capitalista, desenvolvendo e aprofundando sua inserção por aqui.
O inconveniente do progresso, conforme é possível compreender se observamos a história de nosso país, é que a marcha adiante nunca se depara com um espaço vazio e homogêneo. Seus passos, para se realizarem, precisam remover inúmeros obstáculos; e ele é, para não perdermos a chance de uma boa metáfora, como que um desbravador de matas virgens e fechadas, que vai removendo à base de facão aquilo que se põe como problema. E aí está a chave para chegarmos à conclusão que desejamos: no mais das vezes, esses obstáculos são pessoas de carne e osso, homens, mulheres e crianças que atravessam o caminho dos empreendimentos progressistas. E, quando isso acontece... bem, pior para quem se contrapõe a tais empreendimentos.
Entretanto, apesar dos inúmeros conflitos gerados pela marcha do progresso, muitas são as vezes em que seus pequenos obstáculos não oferecem sequer a mais tímida resistência – e por que? Responderia eu que, entre (muitas) outras coisas, os obstáculos são seduzidos pelo progresso, convidados a dele participarem, sob a promessa de que, mais à frente, suas benesses poderão ser repartidas entre todos. Quem aí nunca ouviu a história do “primeiro, deve-se fazer o bolo crescer”...?
Muita gente falou isso, e tem mais gente ainda esperando até hoje a tal repartição do bolo. E justamente porque sempre entra em jogo o fator da crise, ou, mais precisamente, o agravamento das múltiplas contradições ativadas durante o desenvolvimento capetalista. Tomemos como exemplo a atual conjuntura: foram, grosso modo, as próprias formas de ganhar dinheiro inventadas nas décadas anteriores à presente que geraram a crise monumental que hoje se observa. Ou estou enganado? (pergunta retórica)
E aí, volta à cena nossa amiga, a austeridade – ou melhor, a medida de austeridade, já que o próprio progresso é considerado austero por muitos. Mais uma vez, diante da crise, exige-se de muitos um novo sacrifício, o qual é necessário para evitar o iminente colapso cataclísmico do mundo tal e qual conhecemos. Como disse alguém inteligente, concentram-se os lucros e socializam-se os danos – e fica sem o pão quem deu farinha ao bolo, simples assim. O momento da partilha, mítico e ainda inédito até aqui, é novamente adiado pela recessão, e deverá esperar mais algum tempo – o tempo, evidentemente, de estabilização e retorno ao crescimento econômico, ao progresso.
Caso o leitor não tenha percebido, estão já abraçados, austeridade e progresso. Ambos se aproximam por exigirem, obrigarem, o sacrifício de muitos – os muitos que são removidos de seus lares para a realização de um evento esportivo, os muitos que são desalojados para a instalação de uma, digamos, usina hidrelétrica, os muitos que perdem o direito a um serviço público de saúde e educação minimamente qualificado, os muitos que se vêem desempregados e, constantemente, atirados à miséria. Ambos se aproximam por corresponderem ao atendimento às demandas de uma minoria que avança pisando em cabeças e resolve seus problemas com oferendas de vidas alheias. São, conforme eu já disse, duas faces da mesma moeda.
P.S.1: sim, eu sei que tem um ato falho no meu texto. Não se preocupem: foi proposital.
P.S.2: sim, eu tenho mania de corrigir meus textos depois de publicá-los.
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